quinta-feira, 1 de abril de 2010


Os Caminhos para Senhora


“Não admito censura nem de Jesus Cristo.”
Nelson Rodrigues

Senhora dos Afogados é a quinta peça de Nelson Rodrigues. Foi escrita numa fase em que o autor buscava abordar nas suas peças temas míticos, como ocorreu com as que a precederam: Anjo Negro e Álbum de Família, e também Dorotéia, que a sucedeu. Escrita em 1947, foi censurada e interditada pela justiça e só liberada em 1953. Após a liberação chegou a ser ensaiada pelo TBC, sob a direção de Ziembinski, mas foi rejeitada após duas semanas de ensaios. Em 1954 foi montada no Teatro Municipal sob a direção de Bibi Ferreira com Nathália Timberg e Sônia Oiticica nos papéis principais. A primeira apresentação foi marcada por vaias e aplausos. Ao final da peça, parte do teatro gritava “Gênio!” e outra parte “Tarado!”, até que Nelson subiu ao palco e complicou mais as coisas gritando “Burros! Burros!” Ao final da confusão, Nelson confessou a Nathália Timberg sua insatisfação: “A estrela está no céu. Quem não vê, não vê. Mas ela brilha do mesmo jeito.”*1

Nelson Rodrigues passou pelo teatro brasileiro como uma espécie de tsunami. Provocativo, demolidor, obcecado, despertou cóleras terríveis e admirações enlevadas, tal como se a realidade, por alguns momentos, se transformasse numa cena de suas próprias peças. Dentro desse clima meio surrealista, o público vaiava com furor ou aplaudia. A censura fazia a sua função, proibindo sete de suas peças. Nunca se havia visto nada semelhante na história do teatro brasileiro.

Ainda hoje esta trama criada por Nelson Rodrigues está impregnada em suas filigranas de elementos que podem estar presentes em qualquer camada social de nossas sociedades. A saga da família Drummond fala além de seus acontecimentos, ela mostra um retrato de onde pode chegar a condição humana, diante dos seus desejos e obsessões.

A própria excelência da obra de Nelson Rodrigues e a importância de sua produção dramática para o teatro brasileiro são fatores em si só justificáveis para a realização desta montagem. Em 2010, comemora-se 30 anos de sua morte, momento este em que as homenagens são mais que justas e imprescindíveis. É a segunda vez que a Cênicas Cia de Repertório visita os clássicos, em 2006 foi realizada a premiada montagem de As Criadas de Jean Genet em homenagem aos 20 anos da morte do autor. A montagem desse grande autor pernambucano será o início das homenagens em torno desta data comemorativa. O amadurecimento técnico e artístico de uma companhia se dá neste experimentar teórica e praticamente seu ofício, desenvolvendo novas aptidões e novas possibilidades através de procedimentos de encenação diversos.

Em si tratando de Senhora dos Afogados, Recife presenciou uma grande montagem em 1993, pela Cia. Teatro de Seraphim e sob a direção de Antônio Cadengue, que revolucionou a cena do teatro nordestino e arrebatou crítica e público em Portugal. Revisitar este momento histórico através de mais uma leitura deste texto, após quase 20 anos, é potencializar as antigas relações existentes entre este autor pernambucano/carioca e os artistas do Recife que sistematicamente mergulham profundamente com a obra visceral e de alto teor conceitual do autor, colocando o espectador diante da crueldade inerente à condição humana e que por mais inimagináveis que possam parecer, são coisas que permeiam nossas vidas.
*1Ruy Castro. O Anjo Pornográfico, Companhia das Letras, São Paulo, 1992. p. 254

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